Democracia e Constituição

Numa perspectiva abrangente, a Constituição surge para destituir o poder do soberano, visando descentralizar e entregar esse poder para o exercício da maioria. Surge com a concepção de democracia majoritária. Porém, uma breve análise histórica recente, permite inferir que maiorias eventuais, muitas vezes seguindo líderes carismáticos, também produziram perversidades. O século XX experimentou a ascensão de regimes totalitários que, mesmo sob a égide de uma Constituição, produziu horrores e legou um período violento e desumano, com duas grandes guerras na primeira metade do século XX.


+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
 

Restou uma lição: o que nos salva não é apenas a existência de uma Constituição. Ao considerarmos que a Constituição precisa ser interpretada, a questão envolve a definição de quem deve ser o “Guardião da Constituição”. Sobre o tema há uma discussão clássica entre Carl Schmitt e Hans Kelsen nos anos trinta do século XX. Em apertada síntese, Schimitt defendia a proteção do direito pelo Führer (Führer Schutz das Recht) e Kelsen propunha uma jurisdição constitucional. Uma espécie de embate entre o poder político e o direito. O cenário pós-guerra resolveu a disputa. Diversas nações entenderam pela necessidade de uma jurisdição constitucional e, ainda, adotaram um Tribunal Constitucional como o legítimo Guardião da Constituição.

 
Nessa trilha, a teoria da constituição evoluiu muito a partir da segunda metade do século XX, tendo uma ampla maioria dos constitucionalistas consolidado o entendimento da importância das Constituições na defesa dos direitos das pessoas em sociedade, forjando uma verdadeira roupagem jurídica às pessoas, uma espécie de proteção face às investidas do Estado. Consolidou-se, no âmbito do direito internacional, um pacto sobre direitos humanos que não poderiam ser objeto de deliberação, nem mesmo pela vontade de maiores eventuais, uma espécie de proteção universal, aprendendo-se com a história que maiorias também podem ser extremamente perversas.

 
Esse movimento trouxe para o constitucionalismo contemporâneo as chamadas cláusulas pétreas, dentre as quais, os direitos fundamentais. Tais direitos foram ingressando nas Constituições de Estados Democráticos e, com a Constituição de 1988, inauguramos esse importante momento constitucional no Brasil. Uma Assembleia Nacional Constituinte, seguindo o exemplo das Constituições europeias do segundo do pós-guerra, promulgou em 05 de outubro de 1988, uma Constituição normativa que põe o ser humano no centro de todo o ordenamento e institui a Jurisdição como Guardiã da Constituição.

 
A garantia de direitos ao povo promove aquilo que se passou a denominar Democracia Constitucional. Democracia deixa de ser apenas a vontade da maioria. A incorporação de uma carta de direito fundamentais faz com que a Democracia exija respeito a todos indistintamente, mesmo contra a vontade de maiorias eventuais. A OAB defende de forma intransigente a Constituição de 1988, porque ela é capaz de garantir direitos e de defender o povo do próprio Estado. Os direitos conferidos pela Constituição têm potencial para criar uma espécie de “couraça jurídica” que impede excessos, algo extremamente necessário para aqueles que têm memória, para os que viveram ou leram sobre às barbáries de uma guerra, ou sobre as relações desumanas de maiorias sobre minorias com o aval ou direção do Estado.

 
Ao final, registra-se as palavras de Ulysses Guimarães sobre a Constituição de 1988, reafirmando a força normativa da Constituição no âmbito do Estado Democrático: “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca [...] a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

A morosidade do Judiciário Estadual no Rio Grande do Sul: desafios e implicações para a advocacia Anterior

A morosidade do Judiciário Estadual no Rio Grande do Sul: desafios e implicações para a advocacia

A educação como prioridade secundária na política Próximo

A educação como prioridade secundária na política

00:00
00:00